Geral
02/07/2019 20:56

CEO da Bela Pagamentos, Arthur Silveira, quebrou o silêncio e fala pela primeira vez sua versão sobre a situação da empresa, que pediu recuperação judicial. Arthur escolheu seu perfil na Rede Social, LinkedIn, para fazer seu desabafo. Segue abaixo a publicação de Arthur Silveira, na íntegra:

“No meio do caminho tinha uma pedra...

Talvez você já saiba que a Bela entrou em Recuperação Judicial esta semana. Talvez já tenha lido alguma “notícia” em algum site que ninguém conhece, com fontes que ninguém sabe quem é, falando em números gigantescos e até em “golpe”.

Mas o que com certeza ninguém sabe, que estávamos guardando até aqui com medo, é: tinha uma pedra no meio do caminho.

Aguentamos quietos as últimas cinco semanas e tivemos que ler notícias em veículos de mídia que com muita rapidez noticiaram a entrada do nosso pedido na justiça.

Veículos que antes não publicaram os lançamentos dos nossos produtos, o prêmio de “uma das melhores startups para trabalhar”, as participações nos programas da Endeavor ou do BoostLab, nem sequer as ações sociais e boas notícias de crescimento.

Como se estivessem esperando alguma fintech “dar errado”, para que então todos aqueles gritos de “eu avisei, eu sabia” pudessem finalmente ser liberados.

Durante cinco semanas tivemos que escutar boatos de que estávamos foragidos, de que somos “laranjas” de alguém, que vendemos todos os móveis da sede e até que teríamos “perdido tudo em bitcoins”.

Durante longas cinco semanas assistimos a queda de tudo aquilo que lutamos por dez anos.

Começamos com uma simples ideia em 2008: trazer o turismo para o e-commerce. Assistimos literalmente ao nascimento do mercado de pagamentos, desde o fim do duopólio, o nascimento das primeiras adquirentes, as circulares do Bacen até a recente “guerra das maquininhas”.

Mostramos que os pequenos empreendedores precisam sim de gestão, suporte e novas ferramentas que vão muito além da transação normal.

Crescemos na raça e na coragem, no interior e contra todas as possibilidades para impactar pessoas e negócios de verdade.

Desde o segundo semestre de 2018 começamos a buscar investidores, pois finalmente estávamos prontos para escalar.

Terminamos o ano com R$120 milhões em vendas, 90% disso só em Gramado, uma cidade com 30 mil habitantes.

Tínhamos 1,4mil estabelecimentos clientes, 1,6mil promotores de venda (recepcionistas, guias de turismo e motoristas de Uber que tinham uma renda extra com a venda de ingressos) e 2 mil agências de viagens, sites e blogs afiliados pelo Brasil.

Tínhamos 42 pessoas no time e um negócio comprovadamente escalável.

Em conversas com fundos de venture capital, private equity, family offices, anjos e até empresas estratégicas, traçamos um plano ambicioso.

E em uma dessas conversas com a nossa principal credenciadora parceira, após dar acesso às projeções financeiras, balanço, mapa de expansão, curva de clientes e modelo de negócio, fomos descredenciados.

Sim, fomos desligados sem aviso, sem prazo, sem justificativa.

A reunião na sede que havia sido marcada para se discutir os detalhes da participação societária, se tornou uma due dilligence pró-ativa. Ao longo de 2 dias, em 14 horas de conversas, abrimos toda a informação que nos pediram, inclusive extratos bancários de todas as nossas contas.

Mesmo assim não foi suficiente, e saímos de São Paulo com a seguinte mensagem: “preparem-se, porque os próximos dias serão os mais difíceis das suas vidas”.

E de fato foi o que aconteceu.

Sem advogados que aceitassem nos representar, sem tempo para responder à sequência de notificações extrajudiciais com prazos enlouquecedores e no meio das ameaças veladas por telefone, começamos a perceber as movimentações daqueles que até uma semana antes eram nossos principais fornecedores e maiores “parceiros”.

Nossos clientes começaram a ser abordados, um a um, com ofertas de taxas 50% menores do que aquelas que nós pagávamos a eles. Ofereceram inclusive 100% de antecipação automática aos clientes.

Reuniões foram marcadas, inclusive com entidades de classe, sem o nosso conhecimento para que “a verdade dos fatos” fosse apresentada por aqueles que haviam nos colocado naquela situação.

Sob o pretexto de alto risco de chargeback e alto risco de liquidez financeira, sofremos o maior golpe das nossas vidas e não pudemos mais operar.

Iniciamos a relação com essa credenciadora em 2015. Nesses anos nunca tivemos problemas com fraudes e o histórico era extenso. Não houve qualquer mudança nos últimos dias que justificasse a decisão de corte.

E sobre a liquidez, essa era óbvia: sim, estávamos sem caixa. Afinal, uma startup sem caixa não é uma startup. Uma fintech que opera no azul e não está investindo para crescer, não é uma fintech.

Caixas gordos são luxos que só os grandes bancos e aqueles que recém fizeram IPO podem ostentar.

Estes supostos “riscos” foram meras justificativas que parecem razoáveis na superfície, mas que escancaram a inabilidade com que toda a situação foi levada.

Em quatro anos de relação, em diversas ocasiões reportamos as informações solicitadas, os balanços e os saldos de caixa.

Em anos de Endeavor inclusive compartilhamos informações confidenciais com alguns sócios que também eram nossos mentores.

A liquidez financeira da Bela nunca foi uma surpresa e os chargebacks nunca aconteceram. Os “riscos” não eram justificáveis para um completo shut-down em minutos.

Mas com certeza o maior risco era o da inovação, o risco de que um produto melhor faça sucesso, o risco de que aqueles meninos do interior tivessem conseguido fazer algo que todo mundo dizia impossível.

Semana passada o jornal Valor Econômico publicou uma matéria relatando práticas abusivas e anti-concorrencias de adquirentes em relação a sub-adquirentes.

Esse é o momento que precisamos falar sobre isso. O que aconteceu com a Bela se tornou público, mas quantas fintechs estão passando por situações parecidas neste exato momento?

Quantas mais já sofreram com isso no passado?

Não quero de forma alguma me eximir da responsabilidade sobre o meu próprio negócio. Tomei decisões, acelerei o crescimento e certamente houveram muitas falhas ao longo do caminho.

A minha intenção aqui não é culpar ninguém pela atual situação da Bela, mas de falar abertamente sobre uma parte importante dos fatos que até aqui não estávamos falando.

O mercado financeiro brasileiro está sendo sufocado pelas grandes corporações, e isto é um fato.

Até quando vamos achar normal assistir a propagandas com celebridades em horário nobre? Até quando vamos achar normais os programas de inovação e aceleração patrocinados pelos grandes? Até quando vamos tolerar taxa zero e juro zero?

Até quando a inovação vai ser combatida com patrocínios em mega shows? Porque enquanto nós trabalhamos duro, o resto do país se diverte assistindo ao circo, iluminado pelo grande sol que é o dinheiro dos incumbentes, sempre à disposição aos milhões, desde que usados para manter tudo exatamente como está.

Como diz a frase, “se você não está pagando pelo produto, então o produto é você”. E nesse nosso mercado, infelizmente o produto somos nós, empreendedores.

Porque nesse Brasil ainda sem muita liquidez para startups, a saída é sempre a mesma: os bolsos daqueles que por anos tentamos superar”

Arthur Silveira.